Araxá tem o privilégio de contar, historicamente, com um personagem consagrado: Anna Jacintha de São José, a Dona Beja.
Seu nome está perfeitamente integrado à memória coletiva dos araxaenses. E, mais ainda, extrapolou as fronteiras de Minas Gerais e do Brasil.
Dona Beja é uma mulher que viveu no século XIX. Nascida no ano de 1800, em Formiga — Minas Gerais — era filha de Maria Bernarda dos Santos. Teve um único irmão, Francisco Antônio Rodrigues.
Existem muitas referências sobre a trajetória de Dona Beja, tanto em Araxá quanto em Estrela do Sul (antes, chamada Bagagem) onde ela passou a segunda metade de sua vida.
Tradicionalmente lhe é atribuído o mérito da reconquista do território do Triângulo Mineiro para Minas Gerais, em 1816, quando a região pertencia a Goiás. Este célebre episódio, contado oralmente por várias gerações, teria ocorrido após o período em que viveu em Paracatu, depois de ter sido raptada em 1814 pelo ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Mota, durante a passagem deste por Araxá.
Depois disso, Dona Beja teria voltado a Araxá para recomeçar a vida. De fato, em 1819, aqui é batizada sua filha, natural, Thereza Thomázia de Jesus.
Solteira, ela teve uma segunda filha, Joana de Deus de São José, nascida em 1838. Do registro de batismo de Joana consta que João Carneiro de Mendonça, filho do Coronel de mesmo nome, serviu como testemunha. Segundo os romances escritos sobre a personagem, João Carneiro foi o seu segundo marido.
Mesmo sendo mulher, analfabeta, mãe solteira, moradora no arraial de São Domingos do Araxá, alcançou uma posição social intensamente favorável.
Isso porque foi proprietária de um sobrado por ela construído, em torno de 1830, na antiga Praça da Matriz., lugar onde se concentravam a igreja, a Câmara e as melhores residências da então vila do Araxá. Outras provas do seu prestígio são os escravos que possuiu, assim como, a propriedade rural — a Chácara da Beja — popularmente conhecida como Chácara do Jatobá. Além disso, casou suas filhas com membros da elite local.
Sua filha Thereza foi casada com Joaquim Ribeiro da Silva e teve 6 filhos: Theodora Fortunata da Silva (casada com seu tio, o líder político do Partido Liberal de Araxá), Joaquim Ribeiro da Silva Botelho, Francisco Ribeiro da Silva, Saturnino Ribeiro, José Ribeiro da Silva, e Antônio Ribeiro da Silva.
Joana, a filha caçula, foi casada com Clementino Martins Borges e teve 7 filhos: Haideé, Mercedes, Ester, João, Clemente, Amaziles e “Nhonhô”.
Por volta de 1850, Dona Beja mudou-se para Bagagem, estimulada pelo desejo de ali encontrar diamantes. Araxá naquele momento passava por uma fase de estagnação econômica e os reflexos dos conflitos políticos ainda podiam ser sentidos.
Em Bagagem, ao que parece, seu perfil contestador logo cedo se manifestou. Lá, ela iniciou um processo de reclamação de herança contra Fortunato José da Silva Botelho, viúvo de sua neta, Theodora, que faleceu sem deixar descendentes.
Dona Beja, ao lado da filha Joana, do genro Clementino e dos netos estabeleceu raízes naquela cidade onde viveria até sua morte, em 1873.
Hoje, em Estrela do Sul, existem referências das casas onde ela viveu e onde também residiu a filha Joana.
Nesse período participou financeiramente da construção de uma obra pública, a ponte do rio Bagagem. Em 1873 solicitou à municipalidade o ressarcimento do dinheiro por ela empregado na referida obra.
Antes, porém, em 1864, Dona Beja vendera o sobrado de Araxá e a escrava Paulina.
Em 1869 fez o seu testamento cujo teor demonstra, sobretudo, a personalidade de uma mulher não mais possuidora de muitos bens, no entanto, inteiramente dedicada à religião católica.
A partir da década de 1920, quando o Barreiro se transformava em função do seu aproveitamento como estância hidromineral, a antiga fonte radioativa começava a ser chamada, informalmente, de Dona Beja.
Este foi um dos primeiros passos rumo à construção do mais célebre mito de nossa história.
Com o apelido de Dona Beja ou Dona Beija ela tornou-se mundialmente conhecida. Os autores que escreveram romances sobre a personagem, que adaptaram o tema para a novela, que criaram samba-enredos de carnaval ou, ainda, a tradição popular que transmitiu sua história, ao longo do tempo, adotaram Beja ou Beija.
Seu apelido pode ser vinculado à beleza da flor chamada beijo (denominação popular do hibisco) ou à ave beija-flor. Beja é também o nome de um lugar em Portugal cujo habitante é conhecido por “bejense”.
O tema Dona Beja é um forte atrativo turístico para Araxá. A sua inegável existência histórica, fortalecida pelo mito, justifica o nome do Museu Histórico de Araxá, da Fonte de Água Radioativa, de eventos culturais, esportivos e de inúmeros estabelecimentos e produtos comerciais.
- No dia 27 de fevereiro de 1998, através da Lei Municipal Nº 3.356, o Museu passa a ser denominado “Museu Histórico de Araxá – Dona Beja”. A alteração do nome do Museu (antes denominado Museu Municipal Dona Beja) é feita com a permanência de “Dona Beja” por ser de grande significado e importância para a história de Araxá.
Pesquisa e Texto: Glaura Teixeira Nogueira Lima/FCCB.