ÁRVORE DOS ENFORCADOS

Histórico: Desconhecemos a documentação que possa fundamentar historicamente a origem da lenda da “Árvore dos Enforcados”. Ela faz parte da tradição oral, transmitida através de gerações e cuja origem se perdeu na memória do tempo.

A árvore é uma Copaífera Langsdorffii (nome popular em MG: Pau-de-Óleo) pertencente à Família das Leguminosae-Caesalpinoideae. Está localizada no Alto de Santa Rita, no bairro que leva o mesmo nome, na Rua Gustavo Martins de Oliveira.

Diz a lenda que no século passado, um júri popular, na sua primeira atuação, condenou à morte dois escravos que teriam assassinado seu dono. Os escravos foram enforcados nesta árvore, e ainda hoje, é possível escutar, quando o vento agita as folhas, os seus gemidos.

A árvore foi declarada “imune de corte” pelo Decreto Municipal nº 451 de 21 de setembro de 1979.

No dia 31 de maio de 2004, no entorno deste bem, foi inaugurado o Centro de Referência da Cultura Negra que abriga um salão de exposição, um museu da memória, salas para cursos livres.

Em 2012, o município informou ao IEPHA/MG, através do laudo do estado de conservação, que a árvore foi morta ao ser atingida por um raio.

A Árvore dos Enforcados, símbolo da cultura negra em Araxá caiu na madrugada do dia 29 de feverreiro de 2020 após o temporal que atingiu a cidade. Nas redes sociais moradores de Araxá lamentaram a queda e surgeriram alternativas para que seja mantido o simbolismo da árvore.

 

MONÓLOGO DO ENFORCADO

Heitor Gentil Montandon

 

Somos enforcados. Em Coromandel, num acesso de fúria, matamos a facadas nosso dono. Não queríamos isso. A princípio, pensamos apenas em defender-nos e assustá-lo, para que ele não nos matasse a porretadas. Mas, quando o senhor viu nossa reação, ficou indignado e disse que nos mataria a pancadas, como se mata cachorro danado.

Depois, trouxeram-nos para Araxá, amarrados e vigiados todo o tempo. Batiam-nos sempre, xingavam-nos de todo nome ruim que conheciam e diziam que muitas vezes iríamos nos arrepender de ter nascido. Brancos sonsos, como se nós tivéssemos escolhido semelhante modo de vida...

Houve o júri. Dizem que era estreia. Todo mundo foi assistir. O Promotor falou muito, o Advogado da Defesa quase nada. Não adiantava. Todos sabiam qual seria o resultado. Menos nós, que ainda tínhamos alguma esperança.

Quando o Juiz leu a sentença, eu senti um fogo subir da boca do meu estômago, as pernas ficaram bambas e tive vontade de chorar, mas as lágrimas não saíam.

Não queriam perder tempo, e quando terminaram o júri a forca já estava pronta. Fomos para lá e a multidão nos seguiu. Alguns nos atiravam pedras, outros nos cuspiam no rosto, quiseram agarrar-me pelos cabelos, mas carapinha de preto não tem jeito de agarrar.

Houve até discurso, quando já estávamos no alto do morro. Meu irmão foi primeiro, eu por último. No momento em que o carrasco me passou a corda no pescoço, a Mamãe do Céu me abençoou. Todo pavor que eu sentia, todo cansaço da longa caminhada, toda dor do corpo maltratado, da boca sangrando, do olho rasgado, da fome de três dias sem comer, tudo sumiu.

A Mamãe do Céu me fez entender que naquela hora eu recebia minha carta de alforria. Era para sempre um homem livre.

No alto do morro, dois corpos balançavam pendurados na forca. Uma pequena multidão assiste ao carrasco descer os negros enforcados e cortar-lhes a cabeça.

A Vila está em festas, pela inauguração do júri e da forca. Entendiam que escravo era uma coisa e não podia ser tratado como pessoa. Assim, se os pretos tiveram coragem de matar a facadas seu próprio dono, deviam morrer como animais, para que nenhum escravo se atrevesse a tanto.

Era o que a Vila entendia por justiça.

No alto de Santa Rita, tudo agora é silêncio. Todos se retiraram e a noite cobriu a forca com seu imenso véu negro. No chão de pedras e capim, as grandes manchas de sangue dos pretos ficaram como único sinal do que se passou.

A Vila adormece. Na senzala, os escravos cochichavam, apavorados, o drama que os obrigaram a presenciar. Alguns choram, outros fazem o sinal da cruz.

O vento passa entre as folhas da árvore gigantesca no alto de Santa Rita, produzindo um longo gemido, como se a própria natureza chorasse os erros dos homens.

 

MONTANDON, Leonilda Scarpellini. "Vamos Conhecer Araxá",  Ed. Foton, 1987, cap. VIII, pp. 29 e 30.